Onde os olhos não tocam 2023
por Leonor Carrilho
Onde os olhos não tocam é uma exposição das artistas Joana Patrão, Juliana Matsumura e Rosanna Helena Bach no espaço da Galeria Liminare, em Lisboa. Resultado de uma estreita colaboração entre as três artistas, a exposição apresenta núcleos de peças, especialmente concebidos para este espaço expositivo.
Tomando como ponto de partida sensibilidades e técnicas muito diferentes, o trabalho das três artistas relaciona-se intimamente, ao refletir sobre processos meditativos que, através do exercício do gesto – repetido, insistente, mecânico, orgânico – dá origem a texturas irregulares e inesperadas, m materiais tão distintos como a tela, a folha
de desenho, a rocha ou o vidro.
By no means it lies on the surface, a nova peça de Juliana Matsumura, atravessa-nos. A artista toma como ponto de partida um desenho de uma forma espiral de James Bell Pettigrew. um anatomista e naturalista que viveu na viragem do século XIX para o século XX e que se dedicou ao estudo das formas espirais na Natureza. Matsumura reproduz o mesmo desenho da mesma espiral dezenas de vezes, mostrando o processo de decomposição contínua
desta forma, que acontece tanto pelo processo de repetição das monotipias, como pelo comprimento do papel que utilizou. É neste jogo entre a visibilidade e a invisibilidade que se situam também A Casa, a série de monotipias que dá início à exposição e que especula sobre uma casa, ou uma presença fantasmagórica que pode vir do real ou do imaginário da artista; e a peça em caixa de luz Sombra no olho: a artista explora os limites da transparência e da possibilidade luminosa de uma imagem subtil, quase emudecida, mas em potência. Se por um lado, ao trabalhar o branco a artista investe em gestos delicados, em exercícios quase sagrados; por outro, expõe as impurezas da imagem (provenientes de restos de trabalhos antigos), mostra o sujo, o que não é perfeito. É neste limiar que vivem as suas obras, e é no jogo de aproximação e afastamento, luminosidade e escuridão, que acedemos à sua obra.
A série “Maps of Meaning” de Rosanna Helena Bach está fortemente relacionada com a carga energética que a cor branca carrega em si mesma, sendo o branco significado de energia pura, ligado a processos de nascimento e morte, e também ao conceito de “prima matéria”.
Feitas de várias camadas escultóricas, com madeira esculpida, tinta a óleo e conchas que a artista vai colecionando, estas paisagens vivem de presença e ausência, de forma e vazio, de visão e desaparecimento. A acompanhar estas paisagens escultóricas, a artista propõe uma série de peças de vidro para abraçar, segurar, tocar, sentir. Elas expandem a experiência de olhar as paisagens, comunicam com elas e connosco.
As rochas, recolhidas por Joana Patrão em Esposende (que já deram a origem a instalação da artista, “Desenho natural. A água flui na linha”, 2019), mostram as marcas naturais da erosão, do mar e da areia, mas também outras marcas que resultam dos seus próprios gestos: soltos, mas não rasgados, compõem linhas ténues e finas que revelam palavras, mapas ou caminhos imaginários. A utilização do giz como matéria para o desenho é o que relaciona as duas histórias impressas, a natural e a humana. As pedras encaminham-nos para “Aerolito”, o vídeo que nos introduz a esta relação de nuvens e pedras. “Aerolito” especula o fenómeno natural/místico onde meteoritos rochosos caem do céu. Há uma relação simbólica e com uma forte carga poética neste acontecimento, como se das nuvens caísse tudo e tudo se transformasse em nuvem. O loop do vídeo e o som natural das nuvens captado pela artista colocam-nos ora em estado de transe, ora meditativo.
A incerteza do resultado destes exercícios afetivos é uma das características que os trabalhos das três artistas. A repetição e a acumulação da matéria ao longo do tempo e a sua reação ao ambiente natural, a sua erosão, apagamento ou renovação, acrescenta aos trabalhos uma forte carga de imprevisibilidade e vida. Propostas em meios e linguagens delicadas, despidas da necessidade de legendagem ou tradução, sugerem caminhos e encontros. Momentos de esperança, contaminações, formas, linhas, luzes e sombras; a compreensão do tempo.
Leonor Carrilho
13 de maio de 2023